O silêncio inexistente

Monja Coen
10 de novembro de 2023

Por Cris Ventura

“Um outro estudo (de 2017) sobre o uso da internet no mundo realizado pela agência We Are Social afirma que, diariamente, os brasileiros passam 9 horas navegando na internet, sendo 3 dessas horas dedicadas as redes sociais. A importância desse fato é que o uso da internet e das redes sociais pode aproximar ou isolar as pessoas, pode oferecer diálogo ou conflito, pode ajudar a falar ou a calar.

Acredito que os excessos são prejudiciais, como em outras áreas da vida (alimentação, por exemplo). Já fiz o teste de passar horas e até mesmo dias desconectada e o resultado é uma ótima sensação de bem-estar, concentração para concluir tarefas como esse texto que vos fala e bater um papo com o tal do silêncio – que pode funcionar muito bem como um antídoto aos excessos”.

O silêncio é sábio, me disse o muro pichado com tinta preta e letras tortas. O silêncio é uma prece, me contou a placa do centro espírita. No dicionário, o silêncio pode ser: estado de quem se abstém ou para de falar; cessação de som ou ruído; interrupção de correspondência ou de comunicação; omissão de uma explicação; sossego, quietude, calma; segredo, sigilo. Será que o silêncio existe?

“Existe o pensar, o não pensar e além do pensar e não pensar. Precisamos de pausas – como na música, como na fala – para podermos apreciar melhor a vida.

Silêncio.

Uma sala de gravação musical é hermeticamente fechada para que haja silêncio.

Silêncio para ouvir melhor, para sentir melhor, para ser melhor.

Silêncio para entender, para ouvir o mais íntimo de si mesmo, para respirar conscientemente.

O nobre silêncio – solicitado durante retiros meditativos – para que possamos nos aprofundar na compreensão da vida-morte.

Quem somos nós, o que somos nós? O que é o corpo? O que é a mente? O que são sentimentos? Emoções? Conexões neurais?

Consciências?

Há espaços entre os pensamentos? Pausas? O silêncio permite observar melhor, em profundidade.

Há o silêncio de Buda, seu famoso discurso sem palavras, onde apenas levanta uma flor e sorri. Apenas um, entre seus milhares de discípulos o compreendeu e sorriu de volta. Este foi seu sucessor.

Há o silêncio dos deficientes, que nunca ouviram um som, mas que podem estar tagarelando internamente com sinais, imagens.

Há o silêncio dos tolos, incapazes de falar ou de pensar, vivendo em bolhas.

Há o silêncio dentro do silêncio. Há o silêncio em meio aos ruídos.

Silêncio.

Para que tantas palavras para expressar o sem palavras?”

As palavras acima foram as primeiras que recebi em resposta à minha inquietação sobre o silêncio e são da Monja Coen.

Mesmo assim, continuei em busca de definições. Pesquisei sobre o silêncio na internet, livros e artigos e descobri sua proximidade com sabedoria, importância, solidão, retiro, meditação, quietude e paz. E durante estes tempos de panelaços e vuvuzelas, me lembrei do minuto de silêncio prestado como homenagem e selecionei alguns que me marcaram:

– O último capítulo da novela Velho Chico acabou com um minuto de silêncio em homenagem ao ator Domingos Montagner, que morreu nas águas do Rio São Francisco.

– No estádio de futebol lotado com aproximadamente 70 mil pessoas a multidão faz um minuto de silêncio antes do jogo para homenagear o time e a equipe da Chapecoense, vítimas de um trágico acidente de avião.

– Em Nova Iorque, em reunião da ONU, o Brasil solicita e os presentes fazem um minuto de silêncio em respeito à vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro.

E, mesmo com a ausência de muitas respostas, o silêncio como atitude por uma causa é um silêncio que fala e emociona.

Outra ideia imediatamente ligada ao silêncio é a meditação. Já participei de vários tipos de meditação, em geral guiadas por uma voz que orienta: concentre-se na sua respiração, escute as batidas do seu coração, deixe os pensamentos voarem como nuvens levadas pelo vento no céu, não se apegue a uma ideia ou emoção, apenas observe. Gosto de meditar, com ou sem a voz de um guia. Quando medito sozinha, escuto as maritacas, carros em movimento, meu coração (ainda bem), e pensamentos. Já fiz a pergunta: é possível parar de pensar? E recebi como resposta: nunca paramos de pensar. Embora eu consiga meditar e passe muito tempo sem falar na minha casa (adoro ficar sozinha) e no meu trabalho (que exige leitura, pesquisa e escrita), aquietar o corpo e a mente é um aprendizado constante para encontrar a voz do silêncio e insights para questões pessoais, profissionais e espirituais. “No silêncio escutamos os segredos que escondemos de nós mesmos. Às vezes, parece que temos medo do silêncio como a criança tem medo do escuro. Temos que ter coragem para escutar nossos ruídos internos, pois eles revelam nosso passado, presente e futuro. Quando mergulhamos em nosso silêncio interno, permitimos nos dizer e ouvir o que até então não nos permitíamos sequer pensar. Por isso é melhor ficar em silêncio antes de expressar ao mundo decisões importantes” é o que me conta Bel Cesar, psicóloga e praticante de psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano quando perguntei a ela sobre o tema. De certa forma, o silêncio continua falando.

A vida contemporânea proporciona um mundo praticamente online e cheio de estímulos visuais e auditivos, silenciosos ou não. Segundo o IBGE (pesquisa de 2016), o Brasil tem 116 milhões de pessoas (acima de 10 anos) conectadas à internet e o celular é o meio mais usado para acessá-la. Um outro estudo (de 2017) sobre o uso da internet no mundo realizado pela agência We Are Social afirma que, diariamente, os brasileiros passam 9 horas navegando na internet, sendo 3 dessas horas dedicadas as redes sociais. A importância desse fato é que o uso da internet e das redes sociais pode aproximar ou isolar as pessoas, pode oferecer diálogo ou conflito, pode ajudar a falar ou a calar. Acredito que os excessos são prejudiciais, como em outras áreas da vida (alimentação, por exemplo). Já fiz o teste de passar horas e até mesmo dias desconectada e o resultado é uma ótima sensação de bem-estar, concentração para concluir tarefas como esse texto que vos fala e bater um papo com o tal do silêncio – que pode funcionar muito bem como um antídoto aos excessos. A tradutora e praticante de meditação Glaucia Maggi afirma que para encontrar o silêncio é necessário ter consciência do momento presente. “O agora é o lugar de partida. Começamos com essa consciência do aqui-e-agora, da existência chamada vida. Mantemos a atenção apenas aqui onde estamos, onde quer que seja. Não existe nada além, simplesmente estar aqui. Ficar e Ser. Não é uma quietude mental, nem a tentativa de se estar em silêncio. É um súbito deixar ir todas as coisas, uma completa rendição”, afirma. Portanto, o encontro com o silêncio não precisa ser marcado e cada um pode encontrar o seu jeito e o seu momento de vivenciar a quietude, até mesmo na hora do banho. Foi o que me contou o empreendedor e publicitário Gustavo Giglio que acredita no silêncio como uma forma de organizar vontades e pensamentos: “tenho o meu momento de meditação no banho quente e na total escuridão. Os sentidos afloram, mas só escuto a água em mim.”

Silêncio. Um minuto. Você consegue parar de ler agora e ficar em silêncio durante – apenas – sessenta segundos?

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